Nasceu há muitos anos, já com vários irmãos, ao último mudou fraldas, de escolas e cidades com frequência, de amigos não, faltou-lhe o tempo para os fazer.

Conhecidos tinha e a especial habilidade de os conhecer sem se dar. Não valia a pena, era uma perca de tempo, nunca reconheceu o interesse genúino de alguém com tempo para perder e sabia desde pequeno que depois ía doer.
Desenvolveu precocemente a capacidade de evitar a todo custo a dôr. Hoje poderia escrever um manual sobre as mais variadas e surpreendentes técnicas de o fazer. Nesse tempo ignorava o facto de que além da que sentia já, a que adiava crescia nesse esforço inglório. Era forte, resistente, com facilidade fazia com que dele gostassem. Era fácil gostar dele, companhia leve e feliz. Quando agora espreito surpreende a capacidade de aparentar tamanha felicidade.


Á minha volta, na Brasileira do Chiado, vejo o mundo em que vivo. Gente que bebe café para adiar a chegada aonde não quer ir. Conversas que adiam a tristeza no olhar de alguém que esqueceu, irremediávelmente, fazer algo importante. Olhares perdidos, desesperados, na procura de alguém que ainda não encontrou e provávelmente não existe.

Eu e o Personagem, aqui. Vejo-me ao espelho na Brasileira, cabelos brancos, óculos e a mesma incapacidade de assumir compromissos que para todos são evidentes, fáceis, deste mundo e acabam por se esborrachar, pesados, nos meus ombros.

Vou vivendo rodeado por uma névoa de sonhos, alguns dos quais, porque de real importância, o medo de falhar adia cobardemente a procura.



Venha de lá um café e um pastel de nata.

Deviam inventar a máquina de transcrever pensamentos.

A selecção dos mesmos é penosa.
Páginas brancas são assustadoras, como as telas. Ainda bem que estas são pequenas e umas manchas de café e uns traços sobrepostos me fazem sentir em casa.
Podia ir dormir e esquecer. Não posso. Nem quero.

O Personagem, agora, está comigo todos os dias e eu gosto.

Houve tempos que não era assim, compensava com a sensação de que os outros gostavam, porém, não conseguia evitar acordar e ignorar tamanha mentira. Adormecia sem pensar e sobre esta técnica também podia fácilmente escrever um manual eficaz.
Quero encontrar-me entre eu e o Personagem e para isso, neste caso, é obsoleto um curso de escrita criativa, teorias filosóficas ou divagações…

Sorria está a ser filmado.


Os turistas entram e filmam a Brasileira. E nós. Outra vez.

Há anos era estudante. Aqui.
Como quase tudo que fiz na vida parece leve e fácil á distância, no entanto sobra do tempo um peso provocado por essa ausência que volta e me pergunta de onde vêm.
Gente nova é bonita. Velha tem brilho de quem têm histórias para nos contar, belas, tristes, quase sempre.

Pensamentos rápidos que não consigo apanhar.
A máquina? A máquina!!

Passam também as pessoas sem parar.
Apetece-me escolher uma e seguir no seu rastro, ver onde me leva, como as palavras.
O Personagem quer voar, de onde olha sem corpo e tudo vê.

Ou nada.


25|04|04










Trazes sempre um sorriso contagiante, como os beijos que dás com o corpo inteiro onde encontro o meu. É assim que me fazes esquecer o constrangimento provocado pelo som com que me pedes que te abra a porta em horas que há muito são minhas. Entre beijos e corpos interrompidos pelo fumo do cigarro, esqueço o meu e empurro, enxoto, conto-te mil razões para que as deixes só minhas. Quando sinto o meu, que sem palavras se encaixa outra vez no teu, como que se fabricados por medida e com a única intenção de que as minhas se percam, sei-as inúteis a chocar no teu sorriso…





Ando a fugir do assunto que há dias enxota todos os outros.
Depois de pensar, a tentar esquecer, admito a impossibilidade que é proporcional ao bem estar fisíco, reflexo e razão do sorriso que se escapa sem motivo.
Ainda que agora apareças não te atreves durante.



Bom sentir saudades de alguém que afinal também eu construí e que a ausência de corpo deixou em mim só a falta de Ti.






Olhavas como se fosse possível e a qualquer momento se abrisse o acesso á informação com que me irias construir.

Cada resposta trazia inevitávelmente novas questões e a cada nova pergunta aquela sensação, até então desconhecida, entrava contrariando o medo volátil ao brilho inquisitor do teu olhar.
Consciente do efeito que as tuas palavras tinham em mim, surpreendido por inesgotável e genúino interesse, brincavas na expectativa do eminente tropeção que aquela roda-viva iria provocar.
Desapontada, ao constactar que o jogo em que eras exímia não produzia o resultado previsto, recorres a outra técnica que sabias infalivél e do nada surge motivo de uma birra que se reflecte não em palavras, mas na sua ausência, acompanhada de expressôes onde a legenda diz culpa, onde eu, finalmente, deveria tropeçar.
Foi nesse momento que percebi morar em ti.
Mais tarde reconheci o tropecção que esperavas e não viste.
Enquanto olhava para ti e gostava, imaginavas o jogo que faria de mim o que querias um dia gostar.
Viste o que quem sem tempo e anda por aí também vê.




São quedas, tropeções.

Cambalhotas por vezes dolorosas das quais me vou levantando enquanto me apercebo não ser a única alternativa projectada do acontecimento.
Nesse momento consciente, insano, imagino aliviado a impossibilidade de me erguer e finalmente possível a ansiada leveza que aqui sei não alcançar.
Mais um natal de que eu não faço parte, ainda assim, fazes parte de mim, em época festiva ou vulgar dia de semana.
Por estranho que pareça não é doentio, é feitio.
Como é possivel alguém desaparecer no espaço infímo de uma vida?
Quem aqui entrou fica para sempre.
Gosto de sentir esta tristeza constante aliviada pela tua presença.
Assim reúno quem, por vários motivos, não quer ou não pode estar neste espaço, que também e sem saberes és parte.
Que interesse têm os detalhes de hoje que já ontem te impediam de estar comigo?
Passado, presente há tanto.

Da vontade da pele que ainda sinto o cheiro e não me apetece a ausência na minha, surge o sorriso triste na falta de argumentos para aceitar a tua.