just take five


A porta do elevador ainda não se tinha fechado quando o braço instintivamente reagiu, nem a mão percebeu, iluminada pelos tímidos e derradeiros reflexos que tinham origem no candeeiro que ali deixei e tantas vezes testemunhou beijos apaixonados que não conseguiam esperar chaves perdidas e a ausência de vontade para as encontrar fosse inversa das noites que de chaves na mão, ainda não se abrira esta, como outra de alívio se abrisse e por lá passasse e se perdesse a sensação que agora entrava, sem porta ou chave que me protegesse de tal invasão opaca que desencadiava a reacção que a mão ainda hoje não acompanhava e tentava, desesperadamente, evitar que mais um bater de porta soasse.

Aquele som ensurdecedor que me impedia de pensar, descia comigo os nove andares, perseguia, sentava-se ao meu lado, cínico, de sorriso satisfeito com um brilho jocoso no olhar, exigia acompanhar-me no longo percurso que não recordo sequer começar e ao chegar finalmente, deitava-se ao meu lado, sorrindo, enquanto se aconchegava na almofada vazia de ti.

Mais tarde, tarde demais porque o tempo têm tempos que não são o meu ou o teu, percebi que aquele som não era produzido pelo choque metálico mecânico que anunciava mais um encerrar  e que insistia ressoar não só dentro de mim mas também em ti.

Iniciava-se quase silencioso, um sussurro trauteado de esperança. 

No desapontamento da confirmação de ainda se manter a incapacidade de comunicação, que há tanto se instalara e ainda hoje o surpreendia por lhe desconhecer o motivo e desiludido pelas tentativas frustradas de alterar esta triste condição que inequívocamente anúnciava o final que, em vão, tentara evitar esgotando todas as alternativas de solução, em desespero, cantava: 



Want you stop and take a little time out with me
Just take five
Stop your busy day and take the time out to see 
 I'm alive


O que a nós chegava filtrado pela insegurança cega surda e ignorante que o medo alimenta, soava incompreensível, ensurdecedor.

navegar





Não sei que escreva Navego Dizem poetas Gosto Escrevem por aqui Preciso Só viver Não sobreviver Atrevo viver Leio aqui Ali Tudo se enche Sons Signficados Desconhecidos Desvendo por aí A escrever Senti Traduzi Tu és Todos eu Seguem E sentem esses Eu Somos felizes Nesta felicidade Inevitável Te encontro Por aí Nunca se espero Sempre que preciso Nesta imprecisão Necessária Sem desesperar Me encontro Contigo volto E esqueço E te descubro A mim Navegar Viver














não sei que escreva 
navego 
dizem poetas
gosto
escrevem por aqui
preciso
só viver
não sobreviver
atrevo viver
leio aqui
ali 
tudo se enche
sons 
signficados 
desconhecidos
desvendo por aí
a escrever
senti
traduzi
tu és
todos eu
seguem
e sentem esses
eu
somos felizes
nesta felicidade
inevitável
te encontro por aí
nunca se espero
sempre que preciso
nesta imprecisão
necessária
sem desesperar
me encontro
contigo volto
esqueço
descubro 
a mim
navegar
viver








heróis



Outro dia a que o tempo não chegara para ver o sol afogar-se ao largo enquanto aquecia, por baixo, as nuvens que saltavam com esforço a serra.

O telefone deixara de chamar há muito e não me atrevia fazer outro tocar porque só eu queria falar de trabalho. Desta hora, que adiava a chegada por não lhe poder fugir, nem da sensação que todos os dias insistia em me preencher, na qual reconhecia, assustadoramente, o tom depressivo que mascarava diáriamente com uma obsessiva e inquestionável eficiência profissional, angustiava-me a espectativa. A viagem, ou a sensação de não estar em lado nenhum, estava a acabar e não me podia valer. Já me perdera na noite em estradas sem destino e no fim comigo chocava. Sempre.
Enquanto contava os degraus que me levavam á porta que tinha de abrir, por aí saber multiplicar-se o peso da corrente imparável de pensamentos onde há muito não encontrava motivo para um sorriso, organizava metódicamente as acções que, supostamente, esgotariam as horas que antecediam o sono que sempre tardava e nunca realizava.

É nas telas, que enquanto brancas me angustiam mas onde hoje e sempre encontrei alguma paz, ou nas palavras que deixo escorrer sem preocupação e enchem páginas que atestam a loucura, inevitável reflexo da tristeza que há tanto se instalara e ali consigo reconhecer, alíviar e suportar.

Não era a primeira vez que sentia e vivia este estado doloroso de alma, os motivos eram agora diferentes, a dor não tinha origem na perca de um amor mas na desilusão provocada pela soma de vários acontecimentos que envolviam personagens que acreditava amigos, presentes há tanto e a desilusão de serem, afinal, ausentes.

Estava e sentia-me outra vez só...

Larguei os pincéis e enquanto a tinta escorria na tela á procura das imagens que haveria de encontrar cá dentro, liguei o computador, procurei o papel onde tinha o endereço do blogue do "N" e entrei pela primeira vez neste mundo virtual.

Surpreendido, descobri blogue atrás de blogue onde me perdi e esqueci a dôr.

O sol a entrar pelas janelas e o chilrear dos pássaros diziam ser horas de desligar o computador, mas antes, enviei ao "N" entre outras, estas palavras:

Também eu, como meio de catarse, ou mesmo terapia, essencial á manutenção da minha sanidade mental, pinto e escrevo. Se escrevo não pinto.


Nunca me atreveria mostrar o que escrevo, não só pelo conteúdo mas pela evidente falta de qualidade.O que pinto não mostrei há muito porque a coragem não deixou. É um reflexo honesto do que sou. Prova da lucidez que gostaria de ter e da incapacidade de entender o Mundo como é.
Importante é, por vezes, ainda tropeçar nas pessoas que fazem este Mundo melhor.


Lembro dar tempo ao sol, esquecer o adiar a hora, não contar os degraus ou antecipar o que faria.

Lembro por momentos esquecer, na vossa, a minha dôr, anónimo, querer fazer parte, por magia nascer o zm e nas palavras de quem não conheço ver o amor que quero e sei possível.
Lembro admirar e julgar, preocupar-me com números e visitas, rir e esquecer a quantidade na qualidade. Lembro analisar, escolher e descobrir-me nas vossas palavras. Lembro chorar, voltar a sorrir e acreditar.
De virtual neste mundo nada encontro ou então também eu.
Ainda que não reconheça as caras com quem até me posso cruzar, sei de alguns, em poucas palavras, o que lhes vai na alma. É aqui que encontro o que sinto falta nos meus dias.
Pessoas duma riqueza interior evidente, honestas, frontais e corajosas.
Reais. 
Nestes tempos, heróis.



|in|pressão


É uma sensação que reconheço há muito, se fosse "gaja" diria que se trata de sexto sentido, então chamo-lhe "feelling".
Em termos emocionais daqueles anos não havia histórias para contar, tinha-me obrigado a só trabalhar e todo o meu tempo livre dedicava-o áqueles em que a confiança é inabalável e como tal sentia-me seguro naquela rotina pré-estabelecida até ao momento que aquela |im|pressão insistente fez questão de se intrometer descaradamente no meu dia e claramente com a intenção de não me abandonar. Assim foi durante meses confirmou-se o agoiro e mesmo onde nada poderia correr mal, correu desastrosamente.
Tinha já dois cortes na cara e foi ao terceiro que parei surpreendido pelo sangue que escorria misturado no branco da espuma.  Examinei minuciosamente a lãmina e ainda que não encontrasse qualquer anomalia coloquei uma nova e dei uso á milagrosa pedra que já o meu Pai usava para estancar o sangue quando reparei naquele sorriso que me alterava as feições e por isso massacradas. Depois de alguns minutos de atenta observação concluí que o aparecimento daquele fenómeno só podia ser possível devido á mudança do local onde a |im|pressão se fazia sentir e também responsável pela boa disposição que ainda estranhava e só agora realmente constatava.
Fico com a |in|pressão que agora tudo vai correr bem.